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| Delegado do Deic diz que brasileiros viajam ao Paraguai para comprar aparelho que desbloqueia celular roubado | Foto: Divulgação/Deic |
Os blocos de Carnaval se tornaram um sucesso de público e
arrastaram milhões de pessoas pelas ruas de diversas cidades brasileiras neste
ano, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Mas em meio à euforia dos
foliões, milhares de celulares foram roubados e furtados.
Mas o que os assaltantes fazem com esses aparelhos, já que a polícia bloqueia o IMEI (número de identificação) assim que o boletim de ocorrência é registrado?
Em 2015, o então
secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, anunciou que
esse bloqueio do registro do celular faria o smartphone perder todas as suas
funções "e virar uma pedra" na mão dos criminosos. Mas não é o que
acontece.
O
bloqueio até ocorre de forma efetiva, mas os criminosos descobriram um aparelho
capaz de trocar o IMEI bloqueado por outro antigo em uso - o que pode levar a
dois celulares a terem o mesmo código. Depois, os assaltantes encontraram nas
"feiras do rolo" do Facebook um caminho fácil para desová-los. Alguns
grupos do tipo têm mais de 300 mil participantes.
Nesta
terça-feira, uma mulher ofereceu 14 celulares "semi-novos" em um
grupo fechado para venda e troca de celulares no Facebook, com 248 mil membros.
Desbloqueio
Mas,
antes de tudo, o aparelho precisa estar funcionando plenamente.
Fabricado
na China e na Coreia do Sul, o desbloqueador de IMEI apaga a identificação do
aparelho registrado no Cadastro de Estações Móveis Impedidas (Cime), da Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações). Isso "engana" o sistema das
empresas de telefonia e faz o aparelho ser reconhecido como válido e efetuar
ligações e acessar a internet normalmente.
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| Mulher vende 14 celulares "semi-novos" em grupo fechado no Facebook após Carnaval | Foto: Reprodução |
Esse desbloqueador foi proibido no Estado de São Paulo há três anos. Mas, em entrevista à BBC Brasil, o delegado titular da Delegacia de Cybercrimes do Departamento de Investigações Criminais (Deic), José Mariano de Araújo, disse que os criminosos brasileiros passaram a compram o aparelho no Paraguai. Cada um custa cerca de US$ 350 - o equivalente a R$ 1150.
O
delegado do Deic diz que hoje apenas dois modelos de celular são imunes ao
desbloqueio do IMEI: o iPhone X, fabricado pela Apple, e o Galaxy S8, da Samsung.
Com um aparelho desses em mãos, só resta aos assaltantes tentar desmontá-lo e
vender suas peças.
José
Araújo, que também é professor de cybercrimes e Direito Eletrônico da Academia
da Polícia Civil de SP, diz que essa barreira é apenas uma questão de tempo
para os criminosos. Como a atualização do desbloqueador é feita online, quando
um hacker de qualquer parte do mundo conseguir quebrar o código para destravar
o IMEI do iPhone X, por exemplo, todos os desbloqueadores do mundo também
poderão ter acesso à função.
Questionada pela BBC
Brasil, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não informou quantos
celulares foram roubados durante o carnaval. Mas segundo o delegado, o número
de ocorrências cresceu.
"Estamos
vendo uma reedição do roubo e furto de automóveis. É como pegar uma BMW
novinha, descobrir uma que deu perda total, implantar o chassi dela na roubada
e está lá a mesma situação (legal). Tem celular roubado, com IMEI de celulares
antiguíssimos, rodando normal", explica o delegado.
No
dia 12 deste mês, a polícia prendeu um porteiro de 45 anos e uma moradora do
prédio onde ele trabalha, de 27 anos, sob suspeita de participarem de um
esquema de roubo de celulares no Carnaval de São Paulo. Com eles, foram
apreendidos 300 aparelhos. Na semana anterior, outro grupo fora detido com 32
smartphones.
Em
São Paulo, a Polícia Militar reforçou a segurança com 7.504 policiais a mais
nas ruas durante o Carnaval. No período, 8.843 pessoas foram abordadas, 31
presas e 4 menores apreendidos na capital. Em 2017, 4.127 celulares foram
recuperados em ocorrências de receptação.
Por que não bloquear dois celulares com o mesmo IMEI?
A
Anatel já fez anúncios de que bloquearia o IMEI de celulares piratas - sem o
registro ou com a numeração repetida. A mais nova previsão é que a medida seja
adotada a partir de maio de 2018, no Distrito Federal e Goiás.
Para
o delegado do Deic, essa é uma das medidas mais importantes para evitar os
roubos de celulares.
O
delegado explica que o Brasil não exigiu que cada celular tivesse um IMEI
diferente quando começou a registrar os aparelhos roubados no Cadastro de
Estações Móveis Impedidas (Cime). Isso possibilitou que um registro fosse usado
em diferentes celulares.
"Chega
um aparelho da China aqui com um IMEI que nem existe e funciona. Fora isso,
existe também uma configuração padrão de IMEI para testes de operadoras, que
são usadas pelos fraudadores e aparecem dezenas de vezes", conta José
Araújo.
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| Número de IMEI, gravado na bateria e na caixa do celular, é usado para bloquear as funções do aparelho |
Segundo ele, a Anatel tem quer permitir que apenas aparelhos homologados funcionem nas redes de telefonia o mais rápido possível. "Mas as operadoras não têm nenhum interesse nisso porque o que elas querem é aumentar a sua massa de assinantes", diz.
Ele
diz isso porque, caso os IMEIs piratas ou duplicados fossem bloqueados, a maior
parte dos celulares importados da China deixaria de funcionar no Brasil por
conta das identificações repetidas. Isso forçaria todos os brasileiros a usarem
aparelhos nacionais e afetaria diretamente a quantidade de assinantes das
operadoras.
O
delegado do Deic ainda sugere que todos os celulares fabricados tenham um
número de fábrica cravado em suas peças, como nos chassis de carros.
"Isso
viabilizaria a gente saber a origem das peças de cada aparelho ao analisá-lo,
além de evitar a venda das peças. Mas as fabricantes também não estão
interessadas porque isso aumenta o custo de produção", explica Araújo.
Procurada
pela reportagem da BBC Brasil, a Anatel não disse por que ainda não bloqueia
IMEIs repetidos nem confirma quando adotará a medida.
Desova no Facebook
As
"feiras do rolo", como são conhecidos os comércios ilegais de rua
onde são vendidos produtos falsos ou roubados, agora migraram para a internet.
A
maior parte desses grupos fechados e secretos está no Facebook e alguns são
destinados exclusivamente ao comércio de celulares. A ideia inicial era de que
os usuários pudessem vender aparelhos antigos ou com pequenos defeitos, mas
criminosos estão aproveitando a plataforma para desovar os aparelhos roubados.
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| Celulares apreendidos com porteiro durante carnaval em São Paulo | Foto: Divulgação/Deic |
A reportagem da BBC
Brasil teve acesso a mais de 10 grupos de troca e venda de celulares na rede
social. Em alguns deles, pessoas vendiam até cinco aparelhos diferentes e
faziam pacotes - um usuário vendia três celulares por R$ 800. Um sinal forte de
irregularidade, segundo o delegado.
José
Araújo e sua equipe do Deic investigam há mais de um ano os grupos criminosos
que desovam celulares nas redes sociais. Diversos suspeitos foram
identificados, mas nenhum foi preso.
"A
infiltração virtual é muito complexa. Os criminosos agem como um exército e se
blindam. É muito difícil conquistar a confiança de alguém pela internet. Assim
que o cara desconfia de você, bloqueia na hora", diz o delegado.
Ele
culpa redes sociais como o Facebook por dificultar o trabalho policial.
"Se
nos mostrarem uma feira do rolo, eu mando uma equipe e a gente combate, mas na
internet eu não tenho informação. As empresas que deveriam ajudar não vão
porque elas têm que provar que possuem um ambiente seguro, não importa se o
usuário é um criminoso ou não. Elas deveriam me dar acesso para trabalhar e
investigar, mas não dão. Quer uma polícia eficiente que trabalhe com segurança
ou preservar o anonimato de criminosos?", afirma o delegado.
Procurado,
o Facebook informou que os "padrões da comunidade proíbem o uso do
Facebook para praticar atividades criminosas, como as que causem danos
financeiros a pessoas ou negócios". Diz ainda que "remove qualquer
conteúdo desse tipo assim que fica ciente e fornece às autoridades os dados
requisitados seguindo a legislação".
Como sei que um celular é roubado?
O
delegado do Deic aponta a receptação como o principal combustível que
impulsiona os roubos e furtos de celulares. Mas muitas vezes o comprador tem
boas intenções ao participar de um grupo de trocas nas redes sociais e não sabe
identificar se um aparelho é roubado.
O
delegado do Deic diz que a principal dica para não colaborar com crime é
aplicar os mesmos conhecimentos usados ao comprar um carro quando adquirir um
celular de outra pessoa.
"O
produto tem documentação ou nota fiscal? O aparelho tem o IMEI bloqueado? Eu
recomendo que ainda que marque um encontro com o vendedor num local público de
grande movimentação para avaliar o aparelho pessoalmente. Vá acompanhado, ligue
o aparelho, veja se a conta do iTunes da Play Store estão bloqueadas, leve um
chip para testá-lo e coisa do tipo", recomenda o delegado.
Mas
para ele, enquanto IMEIs repetidos forem permitidos e a comercialização
indevida for possível por meio das redes sociais e até mesmo em lojas que fazem
manutenção de aparelhos, todas as outras ações serão apenas para "enxugar
gelo".




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